sexta-feira, 24 de abril de 2009

Luz, câmera e ação comunitária. Uma história chamada Cinema-Processo







Fotos: Alexandre Santos



Há um cinema diferente por aí. Um cinema que não depende de estúdios, nem de muito dinheiro para acontecer, mas que não chega a ser feito de uma maneira espartana. O cinema-processo - como é chamado pelos seus idealizadores - reside na filosofia do “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Mais que isso, é um movimento de cinema livre, onde tudo pode mudar e se adaptar. Onde as coisas estão em constante ebulição. Em outras palavras, cinema-processo é uma equipe de cinema realizando um filme com os recursos que encontram no local, sejam financeiros, humanos ou até mesmo um simples copo d´água para saciar a sede.

Nascido da cabeça do cineasta potiguar Buca Dantas em parceria do roteirista Geraldo Cavalcanti e da necessidade de se criar algo novo, diferente, o cinema-processo é uma metodologia de trabalho que pressupõe outras metodologias, como a economia solidária e o protagonismo local. “É o compromisso de contar histórias com as pessoas dos lugares, com os saberes dessas pessoas, é a gente juntar o nosso saber técnico com o saber lúdico dessas pessoas, convidá-las a se tornarem atores de si mesmo”, simplifica Buca Dantas. Com esse idealismo, Buca realizou o primeiro filme sob o signo do Cinema-Processo em 2006, quando ele e sua trupe se mudaram de mala e cuia para o “interior do interior” do Rio Grande do Norte.

“Quando chegávamos às comunidades, a primeira reação era de estranheza”, rememora. Falar de cinema num lugar onde a maioria das pessoas sequer pisou numa sala de exibição não é tarefa fácil. “Nós tivemos que convencer as pessoas de que aquela proposta era verossímil, e sem ter nada que provasse que ali seria realizado um filme, já imaginou?”. Quebrado o gelo inicial, a adoção dos moradores de Bom Sucesso, uma das comunidades escolhidas para a realização do filme, foi total. “A princípio não tínhamos roteiro, tínhamos um personagem apenas. Reunimos a comunidade e explicamos como era a personagem, e perguntamos o que eles fariam se alguém daquele jeito chegasse ali”, explica a atriz Quitéria Kelly, protagonista do filme Viva o cinema brasileiro!, obra inaugural do Cinema-Processo.

A partir daí se deu a construção da narrativa. A personagem de Quitéria foi sendo redefinida in loco com a concepção das pessoas, além das outras tramas da história. “Depois dessa tempestade de idéias, Geraldo (Geraldo Cavalcanti, roteirista) reunia essas sugestões e criava um fio narrativo. Esse texto era repassado para a equipe, que criava na hora”. Não só verdadeiros roteiristas, os moradores também atuam nos filmes. Durante as filmagens cada um teve meia-hora para ir em casa buscar o seu próprio “figurino”. “Nós fizemos oficinas para ensinar para eles noções básicas de como não olhar para câmera, improviso, alguns exercícios teatrais para relaxamento, e a gente ia gravar no mesmo dia. A cidade parava. Todo mundo ajudava”, explica a atriz.

QUANDO A PERSONAGEM VIRA PADROEIRA

Numa época de seca intensa e de temperatura elevada, a equipe percorreu três comunidades da região do semi-árido do Rio Grande do Norte: Serra da Tapuia, Barro Preto e Bom Sucesso, onde foi gravada a maior parte do filme. Com cerca de 800 habitantes, Bom Sucesso é um distrito da cidade de Santa Cruz, onde, obviamente, não tem cinema e o lazer se resume em colocar as cadeiras para fora de casa e bater papo com a vizinhança.

Quando a trupe cinematográfica aportou por lá, a comunidade não via chuva há pelo menos nove meses. Com a chegada da curiosa equipe de cinema, o imaginário do povo foi mais além. “O sertanejo é desconfiado por natureza. Mas, no momento em que se estabelece uma empatia, aí a casa dele passa a ser a sua”, explica Buca Dantas, dizendo que não demorou muito para os moradores ficarem arrebatados pela sétima arte. “A padroeira do lugarejo que até então não existia, acabou sendo Santa Luzia, em homenagem à personagem que nós tínhamos levado, uma certa Luzia recém chegada da Europa, filha de coronel que precisava se casar”, explica o cineasta. “As pessoas passaram a associar a chegada da gente como um sinal de que a chuva ia chegar, que algo iria mudar por ali”, revela a atriz Quitéria Kelly.


O SEGUNDO FILME

O segundo filme feito sob a alcunha do Cinema-Processo – Perdição – gravado na cidade de Janduís, no médio-oeste potiguar, já foi diferente, se aproximou mais do cinema clássico. Teve roteiro, preparação de atores, planejamento prévio, mas sem deixar de lado as marcas costumeiras na linguagem pensada por Buca e Geraldo. “Tinha uma flexibilidade ampla que permitiu mudanças de última hora e criação ao vivo. Uma cena podia ser modificada na fotografia, no jogo dos atores, sem interferir na continuidade do roteiro, além de contar com atores e técnicos locais”, explica Matyeu Duvignaud, diretor de fotografia dos filmes-processo. “Em resumo, Perdição conta a história de amor entre uma mulher casada com um mochileiro. Ela é casada com um homem simples, tem um filho com o mochileiro argentino que vai embora e só aparece quinze anos depois. É um filme sobre mudança, sobre a decisão de permanecer ou ficar, violência, disse-me-disse, temas esses que são universais”, define.

Durante as gravações, além das surpresas que a linguagem pressupõe, aconteceu o inusitado. Um dos atores principais partiu dessa para a melhor. “Um ator morreu no meio das filmagens. Não tínhamos terminado as cenas com ele, e nós precisamos mudar a história”. Embora trágico, Geraldo Cavalcanti revela que readequar o roteiro foi menos doloroso do que no primeiro filme-processo. “A história se passava em três períodos diferentes e o ator já tinha gravado os dois primeiros momentos, de modo que só tivemos que mexer na terceira parte. Mas mesmo assim foi um nó. O irônico nisso tudo é que o personagem também morria na terceira parte”, aponta o roteirista. “Eu filmei o enterro do Dedé Capoeira, que era um ator de Janduís, e usei no filme. Ele merece essa homenagem. Nessa variável, está a riqueza do cinema que a gente criou, por que nós podemos nos adaptar a qualquer situação”, explica Buca Dantas.

Com pouco mais de cinco mil habitantes, Janduís, distante 286 quilômetros da capital do Rio Grande do Norte, é um lugarejo onde o badalar do sino da igreja pode ser ouvido em qualquer ponto da cidade, mas que já vem sofrendo alterações em decorrência do mundo globalizado. “Em Janduís, quase todos os dias víamos vaqueiros aboiando usando moto e buzina no lugar do cavalo e o gogó”, relata o cineasta. De todo modo, foi pra lá que a equipe de cinema tomou destino. “Ficamos quase um ano por lá, vivendo do que a cidade nos oferecia, sem cachê, sem nada”, conclui Matyeu. A escolha de Janduís como palco para o segundo filme-processo não foi por acaso. O filme Perdição é uma livre-adaptação de uma peça chamada O fuxiqueiro, escrita por Lindenberg Bezerra, natural do município. “Decidimos fazer em Janduís pela identidade político-cultural que tenho com os artistas da Companhia Cultural Ciranduís, da qual Lindenberg faz parte, e por essa cidade ser quase um emblema do que seja o sertão”, explica Buca.


FRONTEIRAS CINEMATOGRÁFICAS

O cinema-processo não é um cinema endêmico, representante apenas da estética sertaneja e das temáticas que ela pressupõe, como o estereótipo da seca. É, sobretudo, um cinema universal, embora seja feito de forma mais experimental e muitas vezes com pouco ou nenhum recurso. “Surge a ideia do filme, surgem as necessidades e nós vamos buscar os parceiros que possam suprí-las, mas, já fazendo o filme, eis a grande diferença. Evidente que não se possa prescindir de sua existência (do dinheiro), mas de minimizar ao máximo a sua ingerência na decisão de se realizar um filme. Nós não buscamos a arte naif no cinema. Não é isso. É uma abordagem livre, mas que não significa que nós vamos fazer de qualquer jeito”, defende o cineasta.

“Para mim, uma das grandes sacadas do movimento reside na constatação de que, apesar de separados geograficamente e desamparados politicamente, os dramas dos habitantes das regiões mais isoladas e escondidas do nosso Estado são iguais aos dos habitantes de Manhattam ou Copacabana. A comprovação de que estamos ligados pelos mesmos conflitos”, explica o roteirista Geraldo Cavalcanti.

Bebendo da fonte do Cinema Novo, do Cinema-Verdade e do Neo-realismo, o Cinema-Processo pretende romper as fronteiras das terras potiguares e realizar filmes com temáticas urbanas, desde que se respeitem às tradições locais, as histórias que as pessoas têm para contar nos lugares onde esse cinema pode aportar. “O nosso objetivo é esse. Realizar cinema em qualquer lugar do mundo, em lugares que possam ter, inclusive, condições menos favorecidas do que a nossa. A ideia é dar voz à massa para cantar em coro esse samba, como na música de Seu Jorge”, traduz Buca Dantas. Para Geraldo Cavalcanti, o grande mérito do Cinema Processo é oportunizar às pessoas a contarem suas próprias histórias e vivenciá-las na tela. “Elas acabam contribuindo para a “ressignificação” da sua existência, para a sua reafirmação. É muito emocionante vê-las reviverem suas crenças”, define.

Cineastas e peregrinos, o Cinema-Processo deve mudar o português pela língua francesa por algum tempo. Convidados para participar do 12º Cinéluso Nantes, festival de cinema que acontece anualmente em Nantes, França, debatendo e provocando intercâmbios de produções cinematográficas de países de língua portuguesa, a trupe processual desembarca no mês de junho no país origem de Matyeu, o diretor de fotografia. Além de produzir micro-documentários, 20 ao todo, eles devem realizar um longa-metragem dentro da filosofia do Cinema-Processo. “O roteiro já está concluído. A ideia é abordar aspectos de pessoas que nasceram em outros países e, por motivos dos mais diversos, foram parar na França. Vamos contar as histórias que eles quiserem contar. Essa é a linguagem do Cinema Processo’’, reforça o cineasta.

Para Matyeu Duvignaud, a viagem de volta à França terá um sabor especial. Natural de La Rochelle, cidade onde será realizado o longa, ele confessa que está um pouco apreensivo com a visita ao seu país e, sobretudo, sobre o fato de produzir um filme em sua cidade natal. “Estou com medo e felicidade, claro. Mas estou com medo de achar um país sofrendo da crise. Não temos noção aqui no Brasil, mais essa crise é barra na Europa. As pessoas estão perdendo os empregos, eles estão numa luta grande. É disso que tenho medo, não achar um povo aberto como ele pode ser para as coisas novas, mas um povo com medo”, revela. “Filmar em La Rochelle, vai ser minha homenagem para o meu pai (o antropólogo francês Jean Duvignaud, falecido em 2007), ele sempre quiz que eu me aproximasse do cinema, ele tinha uma paixão por essa arte”. Enquanto isso, o clichê cunhado por Glauber Rocha ainda é atual: uma câmara na mão e uma idéia na cabeça. Eis o processo.

BUCA DANTAS - Um cabra da peste metido a moviemaker

Nascido há 38 anos na cidade de Currais Novos, interior do Rio Grande do Norte, Buca Dantas, nas horas vagas atende pelo nome de José Alberto Dantas. Caroneiro desde a adolescência, foi fundador da Ong de comunicação popular TV Garrancho, atuando no interior do nordeste entre 1990 e 1997, ano em que ingressou no curso de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sempre muito próximo do mundo televisivo e cinematográfico, Buca foi diretor e produtor do projeto Brasil Total, na rede Globo, de 2002 a 2004. Além disso, é consultor free lancer do Canal Futura desde 2005. Com o filme-documentário “Fabião das Queimadas – Poeta da liberdade”, produzido para o DOCTV/TV Cultura, em 2004, foi ganhador do 1° Festival de Cinema e Sertão do Ceará, em 2005, e foi convidado para participar do VI IMACOM, no mesmo ano, em Cuba.

Em sua bagagem audiovisual traz A Feira (1999), A estrada (2000), A força (2001), Viva o cinema brasileiro! (2006) e Perdição (2009), ainda inédito. Telas, cenários, roteiros e novas possibilidades. Sem disposto a realizar e a levar cinema, seja aos rincões do sertão brasileiro, ou seja, à Champs-Elysées, na França, Buca Dantas segue sua vida como se estivesse num verdadeiro road movie.

terça-feira, 14 de abril de 2009

PAUTA DO DIA: RONDA POLICIAL



Imagens: Ana Amaral


Fazer ronda policial é sempre um exercício interessante. Além de se deparar com toda sorte de vigarice, a ronda dá origem a um texto mais liberto quanto sua escrita, já que o fato policialesco abre espaço para narrativas mais dotadas de ação e por quê não dizer, emoção. Dito isso, vamos ao ocorrido.
No bairro da Cidade Alta, a mulher do dono de uma remanufaturadora de cartuchos, enquanto tinha a loja assaltada por dois ladrões, ligou primeiro para o marido para avisar do infortúnio, ao invés da polícia. Não deu outra. Pensando se tratar de simplórios trombadinhas, o dono da loja foi voando para o seu estabelecimento, espulsar ele mesmo os larápios que surrupiavam seu negócio.

Revólver na cara, "entra no carro e dirige fela da puta", foi o que ele ouviu. Descendo em direção à velha Ribeira, ainda deu carona para mais um bandido. Num dado cruzamento começa a troca de tiros. Bang! bang! bang! O dono do carro salta do veículo ainda em movimento e os ladrões fazem a permuta do Uno do dono da loja por um Chevette, e seguem destino rumo ao bairro das Rocas, lugar de gente humilde, mas que abriga uma grande leva de vagabundos e outros tipos perigosos à sociedade pequeno-burguesa.

Do Chevette, os três comparsas tentaram trocar de carro mais vez, mas só um deles conseguiu, fazendo de refém dessa vez um funcionário público no seu Gol, com algumas prestações a vencer. Enquanto dois tomaram rumo a pé, o que roubou o Gol fez o homem dirigir por pouco tempo. A polícia já fazia o cerco e não contou conversa. Alvejou o carro com ladrão, com refém, com tudo dentro. O motorista pediu a Deus e teve sorte. Nenhum arranhão. O bandido levou dois balaços no peito esquerdo e foi internado, mas já teve alta e seguiu pra delegacia de plantão, que vez por outra vem sendo palco de fulgas e outros procedimentos mais obtusos.

O funcionário público disse que estava na rua conversando com um amigo quando tudo aconteceu. Devia estar trabalhando na repartição... O dono da loja nunca mais dará uma de super-herói, espero... Dois dos bandidos continuam foragidos.... A coisa só ficou preta pra um deles, um moleque de 20 anos de idade, morador do bairro de Mãe Luiza, um lugar cercado por verde e bem pertinho do mar, mas que de santo não tem nada. Vida que segue.