sábado, 21 de março de 2009

Pés no chão e a verve do pensador.







Imagens: Frankie Marcone

Essa semana recebi uma pauta religiosa. Percorrer a procissão em nome de São José, no bairro homônimo, e tentar encontrar ali algum drama, alguém andando com os pés descalços, algum ser temente a Deus rogando para os Céus pedindo por alguma luz no fim do túnel. “Encontre alguma história humana”, pedia a pauta.

“História humana?” - indaguei. Com meu rápido questionamento veio junto uma catadupa de pensamentos filosóficos, lembrei de cara de Niezstche. “Onde vós vedes coisas ideais, eu vejo – coisas humanas, ah, coisas demasiado humanas!”. Eu também vejo humanidade em tudo ao meu redor. Na procissão não foi diferente. Encontrei humanidade na senhorinha octogenária dizendo que São José tinha lhe curado a forte gripe. Depois me deparei com um senhor de nome Calixto, com uma fala difícil, confusa, mas entendi que os seus pés pisavam direto no chão por causa de sua filha, envolvida amorosamente com um marginal. Coisas da vida.

Percorrendo as ruas do bairro junto com seus moradores, (além de ficar absolutamente suado) percebi a simplicidade das casas, das pessoas em si, da fé inabalável e irredutível. Estavam todos com um pé além da vida. Fosse pela idade já avançada da maioria, ou muito mais pela aparente sinceridade que demonstravam em louvação ao Santo, tido pela igreja como patrono da família, já que São José ficou na incumbência de ser o pai adotivo de Jesus Cristo.
"Deus", "imortalidade", "salvação", "além" - para o pensador estes são conceitos com os quais não necessitamos demandar tempo. Enquanto ele vê Deus como uma resposta esbofeteada, os moradores do bairro de São José andam com os pés no chão...

domingo, 1 de março de 2009

SEM PALAVRAS...




Fotos: Filipe Mamede

"Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma", dizia Fernando Pessoa. E, se ainda é difícil perceber as aparições, pelo menos que se tente perceber as palavras, ora, pois. Uma boa dica para tal intento é o Museu da Língua, na Estação da Luz, um lugar com capacidade de levar as pessoas a outras paragens literalmente, seja física ou culturalmente falando. Ao entrar no Museu, o visitante já se depara com uma tela de 106 metros - toda a extensão da Estação da Luz - onde é retratada a riqueza e a diversidade da língua portuguesa. Uma língua em constante movimento.
A cada passo em frente ao gigantesco painel, uma nova porta se abre mostrando um recorte do que temos de mais original: a língua no cotidiano. Seja no futebol, nos carnavais, na culinária, nas relações humanas, nas festas, na natureza, nas religiões, e nas danças. Como dizia o também poeta e antropólogo baiano, Antonio Risério, “nossa matéria-prima é a palavra. A palavra como som, como sentido, como prática, como senha, como signo cultural distintivo, como argamassa cultural, como história, como objeto, como entidade mutante e mutável”.
Além da tela superlativa, as paredes do Museu contam a história da língua portuguesa, dos primórdios até hoje em dia. O choque do europeu com o índio, as imigrações, o rádio, a TV, o americanismo, chegando à internet. Outro espaço é o Beco das palavras, onde qualquer pessoa pode não só brincar com a origem das palavras, mas também observar as suas formações em raízes radicais, prefixos e sufixos. Juntando com as mãos os pedacinhos que flutuam numa mesa sensível ao toque, o jogador descobre de onde a palavra veio e por onde ela caminhou até chegar à língua portuguesa.

Mas, muito mais do que aplicar as tecnologias ao espaço expositivo por puro deleite de modernidade, o Museu da Língua Portuguesa adota tal museografia a partir de um dado muito simples: seu acervo, nosso idioma, é um “patrimônio imaterial”, logo não pode ser guardado em uma redoma de vidro e, assim, exposto ao público. Unindo lazer, tecnologia e conhecimento de forma interativa, o Museu da Língua Portuguesa corrobora, através de sua existência, com o poeta Fernando Pessoa quando demonstra que nossa pátria é a nossa língua.