quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Os desvalidos da Bernardo Vieira



A cracolândia é uma ferida aberta em pleno centro de São Paulo. Próximo à Estação da Luz, uma grande leva de gente sem futuro esfola as pontas dos dedos fumando a pedra em latas de refrigerante e cerveja. Em Natal, dadas as devidas proporções, já temos algumas pequenas cracolândias em processo de franca expansão. Aos olhos de lupa dos incautos potiguares, uma meia-dúzia de pessoas já representa o mundo todo. São recortes de existências, na verdade.

O núcleo duro fica ali pelas cercanias da Avenida Jaguarari com a Bernardo Vieira. Numa olhada rápida, pelos menos dez pessoas - entre velhos, adultos e crianças - vivem sob as marquises de uma loja de produtos para casa (de gente rica). Se alimentando de sobras e dormindo praticamente ao relento, o grupo toma banho ocasionalmente e utiliza um terreno baldio como banheiro.

Para Gilberto Moreira de Lima, 54, “morar da rua parece que é um vício”. Embora tenha raízes no município de Brejinho, ele prefere morar dessa maneira. “Eu já tive três mulheres e tenho quatro filhos. Mas a minha última esposa me deu várias facadas ai depois disso eu vim morar na rua”, relata. Há pelo menos uma década Gilberto perambula pela cidade de Natal e há cerca de quatro meses permanece no mesmo local.

Inquietante, doloroso e cansativo. Pedindo esmolas nos sinais de trânsito que ficam próximos, ele afirma que consegue comprar algum alimento de vez em quando. Na maioria dos casos, pede as sobras de comida em bares e restaurantes. No momento em que estive no local, Gilberto comia o que pareciam ser bordas de pizzas. Questionado sobre se queria sair das ruas, ele disse já não saber mais. “Já estou acostumado”, resumiu. Enquanto Gilberto recita suas vidas, percebo que o cheiro de urina é forte no local. Mesmo assim, permaneço no ambiente, assim como o grupo, todo ele dormindo. Só Gilberto está de pé. Colchões velhos, caixas de papelão e roupas rasgadas resumem os pertences dos moradores.

Há consumo de crack e ainda relações íntimas entre o grupo, do qual duas mulheres fazem parte. Uma lástima. São eles um conjunto de registros etnográficos apurados ao longo dos anos? Pobres e maltrapilhos, bem como as personagens de Victor Hugo. Porém, nessa vida real, as personagens não apresentam redenção ou ascenção. Fome e miséria têm papel de destaque.

Fotos - Eduardo Felipe

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