Imagens: Eduardo Felipe
“Era uma casa muito engraçada , não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela, não. Porque na casa não tinha chão . Ninguém podia dormir na rede . Porque na casa não tinha parede. Ninguém podia fazer pipi. Porque penico não tinha ali. Mas era feita com muito esmero, na rua dos bobos , número zero”. A letra bonitinha de Vinícius de Moraes é o retrato fiel dos moradores da antiga Favela do Fio, hoje apelidada por eles de “Cidade de Deus”, dada a urbanização mambembe ofertada pela Estado nos ultimos meses. Talvez não seja bonitinha, na verdade…
Quem vinha do chamado KM 6 em direção à Rodoviária, ou vice-versa, se daparava com umas das favelas de maior visibilidade de Natal. Curioso pelo suposto sumiço, resolvi visitar a área e descobrir o que diabos tinha acontecido. Na verdade, depois de demolirem centenas de barracos, a população foi deslocada para uma região bem próxima – cerca de 300 metros - mudando a “favela” praticamente de um lugar para outro. Embora as novas moradias sejam feitas de alvenaria, a urbanização não acompanhou a mudança. As 310 unidades habitacionais foram entregues, em grande parte, sem portas e janelas.
Com as casas ‘meia-boca’, os moradores precisam usar a criatividade e o que encontram pela rua, já que muitos deles são carroceiros. Pedaços de madeira e papelão servem para proteger as casas do vento, da chuva e do sol. Além disso, não existem ruas, saneamento básico e nem iluminação. As cerca de 200 famílias dividem três torneiras para prover as residências de abastecimento de água. A dona de casa Maria Severina de Souza conta que nas primeiras horas do dia há uma verdadeira disputa pelo mineral. Dezenas de pessoas chegam a causar tumulto para encher os baldes primeiro. “A gente usa essa água para tudo: cozinhar, lavar roupa e tomar banho. Mas aqui como não tem rede de esgoto, a gente faz a necessidade no mato”, aponta a moradora.
De frente ao esqueleto do que seria um enorme hospital estadual, a população reclama da falta de posto de saúde. Escola, delegacia e, principalmente transporte são outras demandas. É mais um lugar do não. “Aqui nós estamos esquecidos. Tiraram a gente de um lugar que não tinha futuro e colocaram em outro. A gente precisa caminhar no escuro vindo do ponto de ônibus mais próximo”, explica a feirante Maria Gomes da Silva, 62. Ela diz ainda que o caminho, na verdade uma estrada carrocável, não tem iluminação, o que tornam as travessias diárias bastante perigosas.
A moradora acusa também os valores das contas de energia. Embora não conte com iluminação nos postes que ficam em frente a sua casa, ela conta que têm apenas um “bico de luz”, uma geladeira e uma televisão e teve que pagar uma conta de R$ 95,00 no último mês. “Se continuar assim, ninguém vai ter condições de manter essa energia e vai partir para os gatos (ligações clandestinas)”, relatou.
No lugar onde havia a favela, ficaram os destroços dos barracos, além de lixo, que vem sendo depositado dia-dia por carroceiros. Em meio aos materiais que antes foram moradias precárias, Isaac Ferreira da Silva, 24, junta tijolos. Ele explica que vai vender o que for reaproveitável. “A gente tem que se virar de todo jeito. Daqui eu já consigo tirar algum dinheiro”, explica. O morador, que não se “beneficiou” com as novas casas, defende a necessidade da construção de uma área de lazer no lugar. “Se não colocar alguma coisa para distrair as crianças principalmente, não vai adiantar muito”, afirma.
Pior que isso é o que mais acontece. Cris, mulher de Alexandre Alves, é professora no município. Ela me contou que um aluno parou de ir a aula. O pessoal da escola foi até a casa do menino. A escola é exatamente ali no km 6, bem como é também onde ele mora. O menino não ia a aula porque não tinha como pisar no chão, tantos bichos-de-pé que ele tinha. Esse é o retrato do saneamento, saúde...
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