sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

DAS IMAGENS DA MOÇA CAETANA


Foto: Herácles Dantas


A fotografia tem a capacidade de concentrar um mundo num instante. Mais do que isso, para alguns pensadores a fotografia é a metáfora humana da busca pela imortalidade. Poderia o instantâneo vencer a passagem do tempo? Então o que dizer de fotografias de pessoas mortas? Seria o aprisionamento do corpo inerte e sem vida? As pessoas fotografadas estariam mortas para sempre? Não sei se foi pensando nisso que o fotógrafo policial Herácles Dantas deu “vida” ao seu hobby macabro.


Acontece que Herácles, um sujeito espontâneo, baixinho, silhueta avantajada e de bigodes fartos, coleciona fotografias de pessoas mortas. Fino observador da morte alheia, o fotógrafo parece manter um curioso pacto com a “indesejada”. Sempre consegue os melhores ângulos, enquadramentos perfeitos e mudanças de perspectiva impossíveis para muitos.

Suas lentes já registraram as poses de gente morta de morte morrida e poses de gente morta de morte matada. O sádico arsenal fotográfico é composto de mais de 400 cenas de moribundos. A miscigenação vai de ladrões varados de bala, homens atropelados por trens, à criancinha enterrada na areia pela irmã esquizofrênica. Herácles só não tem a sua própria foto, a mais emblemática e, por isso mesmo, impossível de ser feita. Seria ele capaz de um suicídio fotográfico? Não sabemos. Mas ao contrário do que a funesta coleção possa incitar, o fotógrafo, que tem nome de semi-deus, é gentil e galhofeiro.


Com um bom-humor “negro”, digamos, Herácles guarda na memória dezenas de causos e anedotas que dão conta das centenas de mortes registradas, como no dia em que fizeram um menino se fingir de morto para forjar a fotografia de um bandido que a polícia tinha dado cabo. Na verdade, a peripécia saiu da cabeça do repórter que o acompanhava. Como o IML já havia dado destino ao moribundo, o repórter alheio a qualquer conceito de ética não contou conversa. Impeliu Herácles a fazer a foto.

No outro dia, o jornal concorrente estampava na capa a fotografia do bandido crivado de balas e todo ensangüentado. O editor-chefe chama Herácles e o repórter na sala e pergunta sobre qual seria a verdadeira foto. O repórter não vacilou e tascou o seguinte mote: “Na verdade a foto verdadeira é a do outro jornal. Mas nós fizemos a ‘reconstituição’ do acontecido”. Histórias tragicômicas como essa são comuns na vida do trampolineiro e desmedido fotógrafo, que já se vestiu de policial para ter acesso à cena do crime.


Espirituoso, o fanfarrão Herácles confessa ter mais apego pelas fotografias do que pela sua própria esposa, ela que “morre” de ciúmes das lúgubres “cópias fiéis”. Mas quanto a esse assunto, o fotógrafo não titubeia. Se precisar, faz novamente uma permutação de esposas - ele que já está nas suas terceiras núpcias. As fotografias dos mortos, assim como seus filhos, são os únicos bens inalienáveis que possui.

E assim ele segue. Buscando o inédito. Colecionando e aprisionando vidas através de suas lentes objetivas, com a mesma simplicidade das crianças que guardam para sempre os seus brinquedinhos Kinder Ovo, ou dos cinéfilos que reúnem suas entradas de cinema. Aos desavisados, cuidado com os cliks de Herácles.
MATÉRIA PUBLICADA NO FANZINE LADO [R], Nº 08

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