terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O BECO DA QUARENTENA


Um dia desses, lendo um dos jornais da cidade, me deparei com um texto interessantíssimo. Enviado ao periódico por um sujeito chamado Elísio Augusto de Medeiros e Silva, o texto, intitulado “Passeio noturno à Ribeira”, tratava, com um saliente saudosismo, dos compassos flutuantes do velho bairro da Ribeira; suas histórias, seus contextos, suas acontecências.


E nas saudosas andanças literárias e físicas propriamente ditas de Elísio cheguei, junto com ele, “ao primeiro marco da antiga Ribeira: O Beco da Quarentena”, que por décadas, serviu como lugar de sexo barato, para os menos favorecidos. “A impressão que tive foi a de que o tempo tinha para e o “Beco” era filho enjeitado da bela cidade Natal.” De frente ao beco, o “eu - lírico” de Elísio percebeu ali “pedras revoltas, que estão no mesmo lugar, há dezenas de anos, portas abertas, escancaradas, sem a menor decência em seus humildes prédios, em ruínas”.


O Beco da Quarentena, na Ribeira, não é um beco. Na verdade, o local se chama Travessa da Quarentena e é uma ruela de passagem entre as ruas Chile e Frei Miguelinho. Conta-se que ali, a poucos metros do cais do porto, ficavam de quarentena os marinheiros que chegavam com doenças contagiosas e as pessoas da cidade já contaminadas. Depois o local virou ponto de prostituição. Muita gente perambula pela travessa e o Beco ficou como maldito. Reza a lenda que ninguém o cruza de uma ponta a outra.

Impressões do Beco

No livro "Breviário da Cidade do Natal", o escritor Manoel Onofre Júnior termina o trecho intitulado "A Zona" com o seguinte mote: "O velho beco, com seu 'claro mistério', continua maldito. As pessoas decentes o evitam, até mesmo durante o dia, como se o vissem ainda empestado”. Outro seduzido pelas histórias do Beco é o poeta Sanderson Negreiros. Nos versos “Aqui, arcos de sólido abandono / Restos da hora / Inúteis delíquios à luz dos círios de outrora”, o poeta faz uma ponte entre a poesia do passado e abandono atual do Beco da Quarentena.

O Cajá das Raparigas


‘Enjeitado’, o beco foi testemunha da vida boêmia da Ribeira. Ali, as risadas das mulheres da vida e dos boêmios deram lugar a um silêncio sepulcral. As portas, antes abertas para a alegria dionisíaca, hoje estão serradas. O “Beco” se transformou num lugar evitado por quem passa pelos arredores. O seu Elísio Augusto ainda arremata: “Todo este abandono, a um dos maiores sítios históricos de Natal, assistido, placidamente por um pé de cajá, que – (garantem!) – não foi plantado, nasceu, espontaneamente, naquele local e, na safra, os seus frutos são disputados na Ribeira, conhecidos como os “Cajás das Raparigas”“.

Crônicas do Beco


O jornalista e professor do curso de Comunicação Social da UFRN, Emanuel Barreto, num texto do seu livro “Crônicas para Natal”, registra o beco como o lugar onde “bêbados desvalidos faziam suas farras de desespero”. E os versos continuam... “Na Ribeira há um caminho torto, feio, escuro. É a Travessa da Quarentena, onde, há muito, muito tempo, os deuses desvairados do sexo barato faziam ali suas orgias. O Beco da Quarentena, como ficou nalembrança popular, é esse falido porão da cachaça barata e das mulheres de todos e de ninguém. Ali, vez por outra, passantes cortam caminho, num atalho sem futuro. Ali, quem sabe, nas noites da velha Ribeira, fantasmas de bêbados e marias se juntam. E dançam sua dança de cachaça.”

Um comentário:

  1. Querido Filipe,

    Estou muito orgulhosa de você.

    Sua foto de perfil, postada no meu arquivo, hoje se integra à galeria dos netos. Nela, suas mãos salientam-se pela beleza e significado - são mãos de escritor-jornalista, sem pares.

    Beijos de sua Vó Marujé

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